Colecione os seus nãos

Elis Ponce
8 min readFeb 5, 2020

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é bem assim que eu brinco com os meus

Em 2017 depois de ter vivido um ano difícil, porém mais prazeroso que todos que já havia vivido, decidi seguir o que meu coração mandava faz tempo, queria sair de Recife, ter a tão falada “experiência fora” e finalmente dar um tempo da faculdade, mesmo que eu acreditasse que estava comecando a me encontrar.

Preciso primeiro fazer um disclaimer que mesmo com tudo conquistado, quase 100% como eu realmente queria, 2017 foi um ano estranho, e tambem difícil. Não me lembro de anos que não tenham sido, apesar de me recordar com memórias de afeto de 2014 e 2015. Oponto inicial pra 2017 ter sido difícil veio ainda em setembro de 2016, quando não consegui outra coisa que sonhava e desejava tanto. Não, esse nao foi o primeiro não, mas foi um sem direito a segunda (ou segundas) chance(s), foi um não que definiu muito do futuro e reverbera até hoje, pois se assim não tivesse sido, certamente eu não teria as histórias de hoje para contar.

O fato é que esse não de 2016 me levou a pelo menos mais 5 nãos nos dois anos seguintes e uma mudança radical sobre o que eu queria, como queria, como conseguiria, o que sei e o que sou (ou o que sabia e o que era). O que conto aqui hoje, não é sobre o quanto os nãos que levei me ensinaram — talvez isso ate apareça em algum momento, inevitavelmente — mas como se segue o processo de receber um não na minha pele.

Eu realmente não espero que você se identifique, pois, caso aconteça, eu sinto muito. Sei o quanto sua casca se tornou mais grossa ao passar do tempo, e não da só pra romantizar isso e achar maravilhoso. Ninguém quer viver levando nãos. Por mais que eles constroam, eles doem, muito, e eventualmente destroem tambem, temporaria ou permanentemente.

Pois bem, desde março de 2018 eu nao levava nãos significativos — para custos, projetos, ideias são coisas diferentes, me entenda — e por mais que a vida tenha sido custosa, ela não estava permeada por rejeições. Esse talvez seja meu maior problema com o não. Mas dia desses percebi que “nao levar nãos” não foi porque tudo estava bem e eu estava sendo aceita, foi simplesmente porque eu não estava tentando. Eu disse a mim mesma que nao ia mais tentar e assim fiz — até uma pagina dois quando tentei uma coisa menor, consegui e voltei ao celibato de chances.

Pois bem, como já contei em outra oportunidade, voltar ao Recife faria deste obrigatoriamente um momento de chances, tentativas e prováveis nãos e por mais que essa tenha sido uma escolha consciente e acertada comigo mesma (talvez?), não quer dizer que tenha sido fácil. Eu sinceramente não sei classificar se foi mais facil ou mais dificil do que eu pensei — eu pensei em muita coisa antes e depois muita coisa durante, me confundi com os parâmetros.

O fato é que, na verdade, “levar muitos nãos” não necessariamente te prepara para os muitos outros que estao por vir.

sim, se acalme!

Muitas vezes a gente acha que a “cota do não” acabou, que é azar no jogo e sorte no amor, mas pode ser que só tenha sido azar na sorte e sorte no azar mesmo, sem muita saída. Eu tenho saudade de uns tempos que na minha cabeca eu imaginava reagir melhor, que eu contava essas histórias a outras pessoas para encorajá-las e não quer dizer que eu não as conte mais, pelo menos essa parte ainda faço de certa forma, porque aí o impacto, responsabilidade e ação, após ouvir tudo, é do receptor, então pode ser que de certo, logo a pessoa estará melhor que eu. Mas essas fantasias na minha cabeca sobre as minhas reações positivas já se tornaram inexistentes.

Hoje, na verdade, eu ja tomo cuidado com o lugar que vou receber o não, por mais que as posições tenham se invertido com o propagador do meu não (que antigamente era a pessoa a se preocupar com esses detalhes) é o que estou podendo fazer por mim agora. Sei que eu vou chorar, não falha! Talvez eu não chore bem ali na hora, mas vou ficar com raiva de mim. Se não chorar depois, ter uma taquecardia pra compensar e a certeza também que o mundo se acabou, que já não existem mais possibilidades na terra, que eu perdi tempo, que não fui produtiva, relevante, que passei vergonha, que estou de mãos atadas e logo todos mais meus maiores medos chegam. Parece incrível né? Você também ficou animado? (não responda)

Bom de certa, forma vejo isso como um amadurecimento, ao menos me conheço melhor hoje, não é?

Vou contar uma história de tantas:

pegue seu café, estou avisando

Eu estava num processo seletivo pra uma empresa que uma amiga me falou. Eu não conhecia, mas a frase que me conquistou foi “se eu não estivesse bem no lugar que trabalho hoje, COM CERTEZA eu queria ir pra lá!”. Será que eu tinha capacidade de ir pra esse lugar também? (ah, a sindrome do impostor!)

Bem, eu me pus a pesquisar essa empresa, era uma empresa de tecnologia (“como assim tecnologia?” você deve estar pensando, mas eu estava também) e eu realmente me apaixonei por tudo que vi, TUDO, do onboarding dos novos funcionários, da perspectiva global, dos valores da empresa, não havia lugar melhor no mundo pra mim e a bolsa era surreal, horário flexível, perspectiva de crescimento, tudo incrível. Enviei meu material pra primeira etapa em cima da deadline depois de uma das crises de ansiedade mais fortes que já tive e passei o dia muito mal jurando que tinha sido horrível.

Ao mesmo tempo estava no processo pra estágio de outra empresa (vamos chamar de B) que eu também queria demais. Fui avançando e enquanto estava aguarando uma entrevista lá recebi uma ligação da empresa de tecnologia com um dos melhores feedbacks da minha vida, só elogios e convite pra proxima etapa. Eu queria ver no que ia dar, mas no dia seguinte desisti da vaga da empresa B por não bater com minha carga horária da faculdade, afinal eu voltei pra Recife pra me formar. Esse não foi exatamente um não que eu levei, foi um não que eu disse, mas foi mais uma porta fechada no momento e tem consequencias mais pra frente, enfim. Eu então transferi as minhas fichas de aposta daquele processo da empresa B pra o processo da empresa de tecnologia e a coisa ficou ainda mais intensa. Eu precisava daquilo, MUITO, eram os dois lugares possíveis pra eu trabalhar, eu tava indo bem, a entrevista da empresa de tecnologia foi ótima, meu currículo foi muito elogiado, a tal da “experiência fora” chamava atenção em todo canto, a experiência com os termos e vivências “empreendedoras” fora do que a faculdade me ensinava eram muito boas e aparentemente “não importa seu curso, queremos saber da sua experiência”.

Não preciso falar sobre a expectativa que eu tinha, até que o resultado que devia sair em uma semana não tinha saído ainda em 15 dias, 20, break de festas de fim de ano, recesso de recrutador, e meu coração saindo pela boca. Até que numa sexta finalmente recebo uma ligação.

Tremi. Atendi. Ouvi com atenção.

Levei outro não.

“Olha, mas seu currículo é ótimo, muito bom mesmo”

[Btw, a empresa é realmente incrível e se aparecer vaga lá de novo eu super me aplico kkkk]

Mas nessa hora eu só queria rasgar o meu currículo, rasgar minha experiência, voltar lá em 2017 e ter escolhido ficar, me formar, fazer raízes aqui logo e pronto, nada do que eu sabia tava valendo de nada. Eu tava no trabalho de mainha, reprimi umas lagrimas no meio da ligação, mas todos os sentimentos lá de cima voltaram, taquecardia, me escondi num cantinho e chorei, já não existiam mais possibilidades na terra, eu perdi tempo, não fui produtiva, nem relevante, passei vergonha, estou de maos atadas (e lisa!) e todos meus maiores medos chegaram mesmo. Onde eu iria trabalhar agora que já não conseguiria nos dois lugares que mais queria?

Minha amiga lá de cima que me mostrou a vaga, e é uma das minhas maiores apoiadoras, na hora me apareceu com outra vaga, um amigo do trabalho dela tinha lembrado de mim (dias antes eu tinha levado um não pra um estágio na empresa que eles trabalham também). Fiquei feliz, mas até agora (um mês depois) ainda não recebi nenhum contato sobre, nem pra levar um não. Não levar um não e ficar na incerteza seria ainda pior do que efetivamente levar um não?

Eu acabei de contar essa história, e sei também que você está se perguntando depois de tanto tempo de leitura “mas o que fazer com isso tendo que continuar a nadar?”

Amigos, a verdade é que eu não sei.

perdendo meu tempo até aqui, minha filha?

Há um mês, quando eu comecei a escrever esse texto, eu provavelmente diria que você não podia parar. Tire um dia de descanso, mas não pare. Só que muita coisa aconteceu de lá pra cá, eu tentei mais, levei mais nãos dessas novas tentativas e também continuei sem nem receber não de algumas outras, mais novas e mais antigas, sem receber feedbacks prometidos também. Meus amigos continuam me falando todas as coisas boas de afirmação, eu continuo lisa, mais perto de formar porém (ao menos um meio refresco!), e cansada, me sentindo meio inútil, zero independente, com tempo livre pra ver BBB, mas indo. Eu parei, ao menos por agora.

O que posso lhes dizer nessa história toda é que, apesar de tudo, continue contando seus nãos, numericamente e em compartilhamentos. Conte seus nãos pra si mesmo, coloca a lista lá no caderninho, no guarda-roupa, é meio ruim de ver, mas lembra que você já andou muito. Conte seus nãos para seus pais, pra seus amigos, (pra estranhos da internet com cautela talvez?), não de maneira perjorativa a si mesmo — não se derrube!!! — mas pra escutar novas perspectivas, pra aliviar seus pensamentos, pra ouvir/fazer piadas e chegar na próximas vezes sem deixar de acreditar de si mesmo. Use seus nãos do jeito que for, mas os ostente porque aí você vai aprender a se entender com eles. Eles não vão deixar de existir só porque você não fala neles e não precisa ser com a maior maturidade sempre, melhorar são outros passos, mas avance quando der. É sorte no azar e azar na sorte, e como diz a história

mas eu:

  1. nunca vou deixar de tentar a humilhação

2. preciso aprender a lidar melhor psicologicamente com os efeitos da humilhação

3. preciso me lembrar que se nao fosse eu, o que seria de mim?

É preciso muita coragem pra sair com maquiagem de casa, mas é preciso mais ainda pra sair sem.

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Elis Ponce

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