Sobre produtividade, ansiedade, organização do tempo e voltar a estudar.

Elis Ponce
8 min readAug 29, 2019

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Todas as vezes que me pegava pensando sobre voltar ao Brasil(e principalmente sobre voltar a faculdade) eu entrava num looping eterno de como iria fazer para me reacostumar a rotina novamente. Não importa se ainda em 2018 ou já nos ultimos meses em que estive fora, a sensação de me acostumar ao “antigo”, depois de duas mudanças para “ o novo” e de ter provado tanto fora, me deixava, apesar de consciente da minha decisão, em pânico.

É preciso dizer que lá atrás em 2015, tive um belo surto sobre querer mudar de curso e deixar de lado tudo que sempre pensei que quis por estar experimentando coisas novas que me dariam um retorno mais rápido e fácil no futuro. Eu entrei na faculdade em 2014 para cursar Ciência Política com pouca ou nenhuma noção do que de fato um cientista político fazia, dos campos de atuação conhecia por nome partidos e eleições, instituições e políticas públicas. Escolhi o curso com vontade, mas também na frustração por não ter condições o suficiente (ou só medo mesmo, como sei hoje que foi) de fazer uma prova de inglês na extinta segunda fase da federal, requisito para o curso de jornalismo. Com a opção descartada, escolhi a ciência política e assim seguimos juntas na federal, inclusive rejeitando um curso de jornalismo na Universidade Católica, porém certa de que meu campo de aprofundamento e pesquisa se daria no Jornalismo Político, o qual pensava conhecer muito bem.

É preciso fazer um disclaimer aqui também que sempre gostei de escrever, mais do que ler até, talvez por uma necessidade leonina de contribuição e por ser a forma mais “centrada” que acredito ter para me posicionar/externar o que penso. Por tal motivo, meu grande sonho de trabalho era numa redação de jornal, rodeada de novidades, sendo paga para informar pessoas, para me comunicar e mais do que isso, dar minha opinião numa coluna bonitona na edição especial de domingo em que as pessoas ficassem ávidas para ler e pensassem “eu gostaria de saber a opinião de Elis sobre isso”. O auge!
Ora, ser requisitado pra dar sua opinião de algo, seu ponto de vista sobre a situação é ser importante, e tal coisa não poderia ser feita se eu não soubesse do que estava falando, o que automaticamente me tornava uma pessoa inteligentíssima. Com este sonho, meu futuro estava traçado.

No primeiro semestre de 2017, depois te ter conquistado algumas das coisas que queria como estar perto do final da faculdade, ter acabado um cargo de diretoria há pouco na AIESEC Recife, ainda contribuir “intelectualmente” com algo que gostava e finalmente ter um salário certinho trabalhando num local que acrescentaria bastante ao meu currículo, eu poderia estar bem feliz com aquilo, mas nada me tirava a cabeça o quanto eu queria e precisava ter uma experiência fora do país. Nessa altura do campeonato eu já tinha certa noção de que realmente gostava da Ciência Política, tinha ideia com o que eu gostaria de trabalhar (políticas públicas, provavelmente, ali bem pelo meio de Brasília, fazendo projetos, acessorando, também sendo paga para dar meu parecer sobre as coisas), mas ainda sim o único salvador da pátria no momento seria sair da pátria, até porque a rotina de faculdade, estágio, pegar 6 ônibus de roupa social pra cruzar três extremos da cidade todos os dias não era bem das mais fáceis.

Pois bem, esse tal semestre foi cansativo, me apliquei as oportunidades que queria em países diferentes (que com as tentativas passaram a importar menos, o importante era finalmente me aceitarem) e recebi muitos nãos, muitos. A quantidade de aplicações foi acima da média, a quantidade de nãos, consequentemente, também, e eu só pensava o quanto eu estava sendo imprestável por receber tantas rejeições seguidas (na minha cabeça, provavelmente oriundas da minha “pouca qualidade”) e além disso mal vista porque algo daquela dimensão era inadimissível, “como que alguém assim ainda está tentando?”. Cheguei a desistir, é verdade, mas num “vou tentar pela última vez” finalmente fui selecionada pra ir pra Croácia.

Mesmo com um resultado positivo depois de tanto tempo, eu não conseguia enxergar tão bem o fato de eu ter conseguido. O que estava escancarado pra mim era o número de vezes que eu tentei, o número de nãos que recebi, o quanto precisei fazer e refazer aplicações, revirar noites, chorar, até conseguir um sim, o quanto a minha produtividade tinha sido tão baixa e, ainda sim, o resultado não havia sido no lugar perfeito (leia-se, uma grande “filial” ou como chamamos “entidade”, o que eu então descobri que importava bem mais do que eu pensava). Mesmo focando em mudança, documentos, preparativos, terminar o semestre da faculdade, dentre várias outras coisas, esse sentimento ficou lá num cantinho e claramente apareceu com força total durante meu período de adaptação no país, que não foi nada fácil (desculpas, mais uma vez, às pessoas que conviveram comigo, principalmente ao meu presidente).

Eu sempre busquei ser a melhor no que fazia, quando mais nova buscava ter as melhores notas da turma em todas as matérias. Nunca fui a criança chata que fazia picuínha por nota/prova/trabalho, mas depois, com tempo, fui descobrindo áreas de afinidade e comecei a admitir me tornar uma “aluna normal” que tinha dificuldade em certas materias e até tirava nota baixa. Ainda sim, fazia competição interna entre mim e os outros pelas notas de história, mas ninguém sabia (ou acho que não sabiam). Os problemas de autoestima, corpo, namoradinhos e cabelo, principalmente, me faziam querer ter vantagem em outra coisa, no caso ser referência em história, mais uma vez eu estava sendo a pessoa importante que tanto admirava e era relativamente fácil: eu gostava daquilo, entendia rápido e não precisava estudar muito.

Aliás, eu nunca fui bem a criança que estudava muito, ou que se sentia na obrigação de estudar muito, as notas estavam lá, elas precisavam ser boas em história, mas não necessariamente no resto. Pro resto o importante era passar de média e pronto, eu estaria aprovada como todos os outros da minha sala com notas iguais ou maiores que as minhas. Eu também nunca fui a pessoa mais organizada, muito menos a mais disciplinada, então esse negócio de sentar e estudar mexe muito com meu foco e com algo que vim descobrir a pouco, a tal da ansiedade.

Mas voltando aos tempos atuais, entrar na univerdade e adentrar o mundo que vem junto a tudo isso te traz muitas mais possibilidades e sua obrigação não continua sendo apenas estudar (o que na minha realidade privilegiada de escola privada da zona norte e cursinhos de isolada era até um absurdo não ser a única obrigação). Com as oportunidades você vai descobrindo outras coisas a fazer (no meu caso AIESEC), outras habilidades com as quais você nunca teve contato e com a necessidade aí você é obrigado a dar seus pulos pra garantir, ao menos, o que quer, quando não o que precisa. A história de estudar, que já não era bem o que eu mais gostava de fazer, só continuou a perder espaço diante de todas as minhas “desculpas” de precisar ser produtiva em outros ambientes.

Eu fui me levando pelo que queria, trabalhei forte para conseguir as experiências que acreditava serem as melhores pra mim, e as consegui, mas depois de 5 anos que comecei a faculdade, sendo 2 vividos integralmente fora do ambiente acadêmico, precisei voltar. Minha mãe sempre disse que não achava que eu voltaria, que me apoiava em fazer uma faculdade fora (dentro do que ela pudesse apoiar) e eu até cogitei tentar uma bolsa ou algo similar, mas aí esbarrei no problema da produtividade, dessa vez acadêmica. O meu GPA é no máximo mediano, nunca realmente me importei com o fato de não ser alto, embora goste de escrever, não tenho um artigozinho publicado, não frequentei feiras acadêmicas, não participei de grupos de pesquisa, nunca fui monitora, estou com o curso atrasado, não tenho experiência de fato na minha área. E agora?

Voltei com a cara e a coragem pra me tornar uma caloura novamente, formar é uma questão de honra e de sonho, afinal foram 16 anos sonhando e estudando para entrar numa universidade federal, por mais que na verdade isso seja mais um título, a pressão minha comigo mesma ainda vê tal coisa como muito importante. Me lembro dos autores, não lembro das ideias, muito menos das datas, vez e outra confundo teorias, não sei mais quem são os professores do departamento, não tenho tantas referências, hoje é 29 de agosto, às aulas começaram dia 3 e eu efetivamente ainda não li uma linha de nenhum texto. Meus amigos estão perto de formar no mestrado e eu estou aqui, ainda, e sem prática.

Sempre penso “não, vai ser hoje, eu vou me organizar” mas ai aparece a tal ansiedade que diz:

“você precisa ser produtiva, mas você está na minha mira, e não vai se acalmar, enquanto não se acalmar não foca, não consegue estudar, se não consegue estudar fica mais ansiosa, ai não estuda, não é produtiva, tome mais um pouco de ansiedade, que não lhe deixa estudar, logo não te deixa ser produtiva…”

Esse discurso continua por uma tarde inteira, entra pela noite, até o momento que preciso dormir e sinto culpa por tudo isso ter acontecido de uma só vez. O ciclo vicioso continua eternamente: sono só piora, o cansaço aumenta, produtividade diminui, ansiedade cresce e mais uma vez terminamos o dia pra viver tudo de novo.

Hoje ao entrar nesse início de ansiedade pré-sono decidi relatar essa experiência pra ver se me ajudava (o que a contar pela hora que estou escrevendo e a hora que preciso acordar pra ir pra faculdade, não está exatamente funcionando). Últimamente venho me inscrevendo em todos os processos seletivos de estágio possíveis, porque esqueci de contar também, mas não é exatamente legal voltar a não ter salário. A dicotomia de lidar com a pressão do emprego — imposta por mim mesma, prazer! E pela crise também, não podemos deixa-la de lado — versus a produtividade acadêmica necessária ao final de curso são as eleitas vencedoras do concurso ansiedade edição 2019.2.

A vida por muitas vezes é representada somente como uma linha reta, então você estuda, sai do colégio, entra numa faculdade, estagia, se forma, consegue um emprego, tem estabilidade, paga suas contas, viaja o mundo, cria família etc etc. Essa linha reta aí é dura e não admite erros, ela não funciona bem com “atalhos” , mas caso eles estejam no caminho, eles são de mão única, sem retornos. Eu fui, estudei, entrei numa faculdade, estagiei, comecei a viajar o mundo, criei estabilidade, paguei minhas contas e voltei pra faculdade de novo, procurar estágio, sem estabilidade, sem pagar minhas contas. Vou formar, terei emprego, estabilidade, ainda vou viajar o mundo mais e nada além da parte de formar tem exatamente uma ordem exata, porque a jornada não precisa ser linear, ela só precisa fazer sentido.

Por mais hipócrita que pareça a menina da “nóia” com produtividade e ansiedade escrever isso em seu texto, escrevo justamente pra me lembrar que um dia, conversando com meus amigos, essa frase saiu da minha boca mesmo e por mais que tenhamos momentos de desespero e incerteza, também temos momentos de lucidez. Essa lucidez é a mesma lucidez que me fará acalmar, focar e estudar pra ser a pessoa importante/referência que quero ser um dia, cientista política formada (amém!) depois de ter conseguido decidir se o TCC vai ser sobre instituições, políticas públicas ou partidos e eleições — mídia talvez?. Que vai ler muito mais pra poder escrever mais ainda e que quando também tiver sua coluna bonitona lá na edição especial do jornal do domingo, um dia, vai ter licença pra escrever o que bem entender e colocar esta mesma frase no meio do artigo:

sua jornada não precisa ser linear, ela só precisa fazer sentido.

Eu ainda voltarei a esse texto,

um dia.

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Elis Ponce

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